A Hierarquia da vida e a geração em Deus — à luz de Santo Tomás de Aquino
Neste ensaio, exploramos a profunda visão de Santo Tomás de Aquino sobre os graus da vida e a geração em Deus. Partindo dos seres inanimados até a perfeição divina, revelam-se os distintos modos de emanação do ser, refletindo a beleza e a ordem da criação. O texto percorre desde a vida vegetativa das plantas, passando pela sensibilidade dos animais, até alcançar a vida intelectiva do homem, dos anjos e, por fim, a perfeição absoluta em Deus, onde intelecção e ser são idênticos. Uma meditação sobre a grandeza do Criador e a dignidade de suas criaturas — com precisão filosófica e clareza espiritual.


A HIERARQUIA DA VIDA E A GERAÇÃO EM DEUS — À LUZ DE SANTO TOMÁS DE AQUINO
Santo Tomás de Aquino, religioso dominicano da Era das Luzes, tratou com excelência da natureza das coisas, em especial da natureza humana. Em certo capítulo da Suma Contra os Gentios, Santo Tomás discorre sobre como deve ser entendida a geração em Deus e o que as Sagradas Escrituras dizem sobre Jesus, o Filho de Deus.
Neste breve texto, trataremos dos graus de vida criados por Deus, cuja reflexão nos leva a pensar sobre a Sua grandeza e a beleza de suas criaturas. Sendo ele o máximo grau de beleza e virtude, naturalmente os seus frutos carregam tais qualidades em graus diversos. Aliás, tudo quanto existe manifesta-se em diversos graus, segundo a natureza e a finalidade de cada ente.
Ele inicia afirmando que, quanto mais elevada é a natureza de algo, mais íntima é a coisa emanada, visto que há diversidade de coisas e diversos modos de emanação.
Por emanação, em linguagem eminentemente filosófica, entende-se um processo de derivação ou de saída do ser a partir de um princípio primeiro, sem que esse princípio sofra diminuição.
A pedra, a água e o homem vêm de algum lugar, e o lugar de onde vêm não sofre alteração alguma pelo fato de tê-los gerado.
O Santo expõe que há seres que não têm vida e, portanto, não possuem movimento, e há seres que se movimentam e, logo, possuem vida, ainda que haja neles mero “indício de vida”, como as plantas, sendo estas destacadas como o primeiro grau da vida.
Primeiro, temos os seres inanimados, dos quais só podemos aproveitar sua matéria, enquanto matéria, e seus acidentes (por acidentes, entenda-se as aparências externas), como, por exemplo, a beleza e a textura.
Em seguida, vem o primeiro grau da vida, que são as plantas, já que “nas plantas já há um indício de vida, pois o que há nelas as move para uma forma”. Ou seja, nas pedras, na lua, no sol, nas estrelas e nos demais seres inanimados, é óbvio que inexiste vida — ao contrário das plantas.
Diz ele que, embora a emanação venha do interior da planta, pela semente, por exemplo, ela se dá totalmente no exterior. Com isso, “ver-se-á que o primeiro princípio desta emanação provém do exterior, pois a seiva do interior da árvore vem das raízes que a tiram da terra, que dá o alimento às plantas”. Assim temos o primeiro grau de vida.
Acima das plantas, temos o segundo grau de vida, que é o dos seres de ordem sensitiva, cuja emanação termina no interior, apesar de vir do exterior. Diz ele que “o sensível externo introduz a sua forma nos sentidos externos, dos quais ela vai para a imaginação e, finalmente, para o tesouro da memória”.
Embora este segundo grau de vida seja mais elevado do que o das plantas, ainda não é uma vida perfeita, pois a emanação sempre se processa de uma potência para outra.
Adiante, em grau mais elevado — o terceiro grau de vida — temos o intelecto, exposto por Tomás como sendo “o grau supremo e perfeito da vida, pois o intelecto tem a reflexão sobre si mesmo e pode conhecer-se”.
Essa espécie de vida é suprema em relação a todos os demais seres terrenos, e possui diversos graus, que veremos a seguir.
Até aqui, entendemos que existem os seres inanimados, os seres vegetativos e os seres sensitivos. Dentre estes últimos, temos como exemplos o cão, o gato, a barata e o camelo.
A primeira espécie de vida intelectiva é a do homem, que, “embora possa conhecer-se, contudo, o primeiro início do conhecimento tira do exterior, porque não há intelecção sem os fantasmas”, conforme visto anteriormente.
“NÃO HÁ INTELECÇÃO SEM OS FANTASMAS”
Pelo termo “fantasmas” — que nada têm a ver com aparições ou assombrações —, entende-se a estrutura do conhecimento humano, especialmente o papel da imaginação (imaginatio) no processo cognitivo, ou seja, no processo de conhecer as coisas.
A imaginação gera os fantasmas, isto é, aquilo que imaginamos sobre as coisas. Fantasmas são imagens sensíveis conservadas e trabalhadas pela imaginação, a partir das quais o intelecto extrai os conceitos universais. No processo do conhecimento humano, phantasma é a representação mental concreta e sensível de uma coisa individual, ainda ligada à matéria, mas já interiorizada pela alma.
Um exemplo muito simples é quando você vê um cão. Você observa seus movimentos, os sons que ele emite, a cor, as aparências... Aquilo fica gravado na memória: isto é o fantasma. Essa imagem gravada — o fantasma — do animal que você viu na rua ou que você cria, servirá para você pensar sobre ele e chegar a conceitos universais sobre o cão; não sobre o cão específico que foi visto, mas sobre a natureza canina, alcançando o conceito universal de “cão”.
Pois bem, esclarecido isso, sigamos para a outra espécie de vida intelectiva, que é a dos anjos, “nos quais o intelecto, para se conhecer, não tem seu ato procedente do exterior, mas por si mesmo se conhece”.
Embora a distância entre anjos e homens seja imensurável, a vida intelectiva dos anjos ainda não é o grau máximo de perfeição da vida. Isso porque “embora a intenção inteligida seja-lhes totalmente intrínseca, contudo, esta intenção inteligida não se identifica com a substância deles, porque nos anjos o ser e a intelecção não se identificam”.
Por fim, “a última perfeição da vida pertence a Deus, e em Deus se identificam a intelecção e o ser. Em Deus, a ideia concebida no intelecto é a própria essência divina”.
Santo Tomás ensina que há uma hierarquia em toda a cadeia de criaturas existentes, desde aqueles que fornecem sua matéria para o bem do homem até Aquele que cria o homem. Entre o grau máximo de perfeição (Deus) e o grau mínimo de perfeição entre as criaturas (os seres inanimados), há uma infinita diversidade de coisas belas e dignas de valorização, visto que todas foram criadas por Deus.