O ADMINISTRADOR INFIEL E A MURTA BRASILEIRA
O brasileiro, desde o século XVI, foi comparado a uma murta. Eis uma verdade que parece ser eterna.
O Evangelho de São Lucas, capítulo 16, versículos de 1 a13, lido no último dia 21 de setembro, na parábola do Administrador Infiel, oferece uma chave perturbadora para compreender o Brasil. Não é apenas uma lição moral confinada ao púlpito: é um espelho incômodo da nossa vida política e espiritual.
Padre Antônio Vieira, no “Sermão do Espírito Santo”, com sua pena de fogo e precisão certeira, já havia diagnosticado a condição brasileira àquela época: não somos mármore de Carrara, sólido e eterno, tal como os então bárbaros europeus, mas murta, uma planta dócil, de fácil convencimento, que exige poda constante, vigilância e adubo para não se perder.
A metáfora é dura, mas precisa e verdadeira. O brasileiro é aberto, amistoso, até generoso, mas instável: basta um sopro ideológico para ver a copa da murta se entortar. E como todo arbusto maleável, a planta em questão precisa de jardineiros firmes e corajosos, que a corrijam sem descanso, mas com verdade e amor. O drama é que, em vez de jardineiros, temos parasitas.
Eis o ponto de contato com a parábola: tal como o administrador infiel, que desperdiça os bens do senhor e age para salvar a própria pele, causando prejuízo ao patrão quando lhe retira o crédito e dá ao devedor, também nossos líderes desperdiçam o patrimônio moral, jurídico e espiritual da nação, pois, com acordos “caracus”, opiniões políticas de ocasião e verbas públicas para financiar pão e circo, administram não o que lhes foi confiado, mas o que lhes convém. Servem menos ao Senhor e mais a si mesmos.
A história brasileira confirma essa leitura. Em 1979, a Lei da Anistia abriu as portas para militantes de ideologias totalitárias que sonhavam com um Estado socialista. Décadas depois, em 2023, assistimos a patriotas comuns, alguns ingênuos, de bíblia e terço nas mãos, vestidos de verde e amarelo (e não de vermelho, com imagens de Che Gevara), condenados como se fossem terroristas profissionais.
Entre um episódio e outro, ergue-se um Judiciário que ora silencia, ora legisla; ora julga, ora milita e que, inevitavelmente, vive a comentar em redes sociais ou em entrevistas jornalísticas, suas convicções políticas, ferindo, consequentemente, a lei da magistratura nacional, que proíbe comentários políticos e jurídicos sobre processos que atuam ou que possam vir atuar. Resultado: mantém-se uma murta malcuidada, sempre à beira do apodrecimento, mantida nesse estado por mãos débeis e aproveitadoras.
As consequências estão à vista: ministros que opinam sobre fatos políticos que amanhã terão de julgar; governantes que governam por decretos e narrativas em vez de leis e instituições; juízes que transformam sentenças em espetáculo para plateias digitais.
Também não se pode esquecer daqueles instrumentos ideológicos, que são o cerne da velha tática romana para manter o povo (o brasileiro, essa murta) sob a égide do prazer e da diversão: os artistas (e pseudo artistas). Estes são os elementos do pão e circo tupiniquim. Imagina o que a senhorazinha condenada a uma década de prisão, vendo seu cantor favorito gritando “não à anistia”, está pensando nesse momento. Que arrependimento, hein?
Todos cumprem, com desconfortável perfeição, o retrato do administrador infiel. A inversão da autoridade em espetáculo é talvez o câncer mais profundo da nossa vida pública.
Mas a parábola adverte: virá a hora da prestação de contas. A herança do povo brasileiro não é pequena, é a sua liberdade, seu Direito, sua fé. Quem troca esses tesouros por aplausos de ocasião, favores de bastidor ou verbas públicas obtidas pela lei Rouanet, incorre na mesma culpa do administrador que manipula os créditos do patrão para garantir seu futuro imediato.
A justiça divina não é anistiada por manobra, não é suspensa por liminar, não é negociada em plenário, e muito menos comprada por verbas culturais.
Um povo murta pode florescer, desde que tenha jardineiros fiéis. Mas se quem deveria podar e adubar prefere sugar a seiva, o arbusto não só definha: perde-se inteiro. Eis o drama do Brasil. O que está em jogo não é apenas a saúde de uma planta, mas o destino de uma nação.
Por fim, o Brasil não precisa de tesouras cênicas, mas de mãos firmes e justas. Caso contrário, quando o Senhor vier pedir contas, e Ele sempre vem, talvez já não haja copa a salvar, confirmando o que Ele próprio disse: “quando o Homem vier, ainda haverá fé sobre a terra”?