O ADVOGADO E OS VÍCIOS CAPITAIS

Se há algo que o homem moderno domina com maestria, é a capacidade de escorregar nos próprios pés enquanto proclama estar no auge da evolução.

Luiz Carlos Cezar

5/10/20259 min read

O ADVOGADO E OS VÍCIOS CAPITAIS

Graduei em Administração de Empresas e em Direito. Ou seja, foram 9 (nove) anos assistindo a aulas de todo tipo e escutando professores de toda espécie.

Muitos deles, de fato, marcaram minha consciência positivamente. Homens dignos que, pela graça de Deus, hoje, tenho o prazer de tê-los próximos e acessíveis. Outros, também me marcaram, mas de tal modo que hoje, ao lembrar de tais tipos, só sinto pena ou desprezo.

Aqueles ensinaram verdades eternas e estes, ensinaram mentiras, que jamais serão eternas. Verdades eternas são verdades, visto que toda verdade é eterna. Mentira, em que pese também se estender no tempo, não passam de poeiras, de um cisco que incomoda e que faz lacrimejar e jamais alcançarão a eternidade, pois lá, na eternidade, a Verdade impera.

Lágrimas, porque a mentira sempre é um mal e o mal sempre afasta o Homem da verdade e a Verdade é aquele ente que esteve diante do Governador desorientado pela debilidade humana vinda do pecado original, que desconhecia a própria Verdade Encarnada: “quid est veritas?”

O certo é que sempre houve péssimos educadores e sempre haverá. Mas, como tudo nesta vida, ainda que esta vida seja um vale de lágrimas, temos olhos, e tanto a lágrima quanto os olhos são bens que nos fazem limpar a consciência (lágrimas) e a partir disso enxergarmos melhor.

Diante dessa tragédia educacional brasileira, um ponto, que hoje me chama muita a atenção, é o fato de ninguém, absolutamente ninguém, nem mesmo as psicólogas que foram minhas professoras, os professores de Filosofia e, ainda, um ex padre (que depois ouvi de sua própria boca a sua descrença pela existência do inferno e a sua ironia contra aqueles católicos que só desejam rezar uma missa de sempre, a do rito tridentino), ninguém falou, ventilou, citou, comentou sobre os vícios capitais próprios na alma humana.

Se há algo que o homem moderno domina com maestria, é a capacidade de escorregar nos próprios pés enquanto proclama estar no auge da evolução.

Aí o caro leitor me pergunta: “Luiz, você não está exigindo muito?”

Pode até ser, e de fato, observando a estrutura curricular de nossas faculdades (há exceções), o abandono das verdades eternas em prol de ideologias dentro dessas mesmas faculdades, a decadência moral e espiritual de toda a nossa sociedade, naturalmente é exigir muito.

Mas isso não significa que os professores de então sejam pessoas más, essencialmente más, não é isso que julgo. Pelo contrário, até mesmo o ex padre, que comentou, em certa aula, ainda que pouco, a Filosofia de Santo Tomás de Aquino, ele não é uma má pessoa, só é uma pessoa que pensa torto, ou seja, diferente da realidade que impera e, sendo católico, contraria o que a sua mãe e mestra, a Santa Igreja Católica Romana, ensina desde sempre.

Mas os demais professores, independentemente da área de atuação (Sociologia, Psicologia, Economia etc.), também não os julgo como más pessoas. Tive um professor de Economia que, óbvio, era um marxista ferrenho, e nos fez ler e discutir Bakunin em duas aulas. Foi até interessante, e eu não poderia achar diferente, visto à época eu ser um perfeito idiota. Ainda o sou, mas pelo menos hoje já tenho essa consciência de que sou, algo que sequer ventilava em minha precária debilidade.

Pois bem, dito isto, o nobre leitor também pode questionar: “mas vícios capitais não é matéria de religião?”. Eu respondo: não! O assunto “vícios capitais” é matéria de natureza eminentemente humana, independentemente de suas ideologias, religião ou opinião política.

Não importa se ele é um ateu ou protestante que diz falar em línguas estranhas (muito estranho mesmo), ele possui vícios capitais e os alimenta e não só eles, todo homem faz isso, seja em maior ou menor grau, excetos aqueles que, com esforço heróico e movidos pela graça, alcançam a libertação desses males.

Vícios capitais são vícios do homem e que revelam aquilo que Chesterton já disse há mais de cem anos: o pecado original é a única parte da teologia cristã que pode realmente ser provada. E olha que Chesterton nem era católico romano quando escreveu “Ortodoxia”. Não o era formalmente, mas substancialmente era centrado nessas verdades eternas.

Mas, por “vícios capitais”, o que se entenda por isso? Vejamos.

Antes de tudo, há de perguntar o que são os vícios capitais. Por vícios capitais temos o entendimento de que sejam vícios que a partir deles geram outros vícios. Por outro nome você também já deve ter ouvido falar: “Pecados Capitais”.

Se chama de “capitais” porque é derivativo do latim, caput, e caput significa “cabeça”, ou seja, os vícios (pecados, erros) capitais (caput) são pecados principais que geram outros pecados, são como que pais com seus filhos e são muitos filhos que os pecados capitais geram.

A Igreja, em sua sabedoria milenar, catalogou os sete pecados capitais não como uma lista de proibições mesquinhas, mas como um mapa dos atalhos que levam a alma a se perder no labirinto de si mesma.

São os pecados capitais estabelecidos: Gula, avareza, luxúria, inveja, ira, preguiça e soberba — esses são os adversários internos, os “sete magníficos” da desordem humana, que, como ensina Santo Tomás de Aquino, não são meros atos, mas disposições da vontade que nos afastam do Bem supremo.

Vamos, pois, com um misto de firmeza, ironia e caridade, dissecar esses velhos conhecidos, tão atuais quanto o último post nas redes sociais, mas que são negligenciados diariamente em todos os âmbitos da sociedade: desde as universidades até dentro dos lares.

Trataremos, em posterior momento, dos filhos dos pecados capitais e das virtudes opostas a eles.

A GULA: O BANQUETE QUE ESVAZIA

Começamos pela gula, a paixão desordenada pelo prazer do paladar. Não é só o sujeito que devora três pizzas numa sentada, mas aquele que faz do prazer sensorial o centro da existência. Como diz São Gregório Magno, a gula é “comer além do necessário, com avidez, ou buscar apenas o requinte”.

Hoje, ela se disfarça de “gastronomia sofisticada” ou de maratonas de séries acompanhadas de baldes de pipoca.

O guloso não sacia o corpo; ele tenta, em vão, preencher o vazio da alma com mais uma colherada. E o pior? Enquanto o estômago reclama, a alma definha, esquecida.

A AVAREZA: O COFRE QUE ENTERRA O CORAÇÃO

A avareza é o amor desordenado pelas riquezas, mas não se engane: não é exclusividade dos milionários. É o funcionário que trai a ética por uma promoção, o político que vende a pátria por um punhado de moedas, ou até o cidadão comum que guarda rancor porque o vizinho comprou um carro melhor.

Santo Agostinho nos lembra que “o avarento não possui suas riquezas; elas o possuem”. Num mundo onde o sucesso é medido por likes e cifrões, a avareza sussurra que mais é sempre melhor. E assim, o homem se torna escravo do que jurou dominar.

A LUXÚRIA: O FOGO QUE CONSOME SEM AQUECER

A luxúria, esse incêndio da carne, é a busca desenfreada pelo prazer sexual fora dos limites da razão e da lei divina. Não é só o adultério ou a pornografia; é a mentalidade que reduz o outro a objeto, como se o corpo fosse um fim em si mesmo. Vivemos numa era que celebra a “liberdade sexual” enquanto algema almas a vícios que prometem êxtase e entregam solidão.

Como ensina São João Paulo II, “o corpo é expressão da pessoa, não mercadoria”. A luxúria é a ilusão de que o prazer é amor. Prazer por prazer jamais será amor, mas egoísmo e o luxurioso é tão egoísta que sua mente é embotada, incapacitada de reconhecer qualquer verdade eterna.

A INVEJA: O VENENO DO OLHAR ALHEIO

A inveja, filha bastarda da soberba, é o desgosto pelo bem do outro. É o colega que sorri por fora e range os dentes por dentro ao ver sua promoção. É a rede social que vira palco de comparações mesquinhas, onde o sucesso alheio é uma afronta pessoal.

Santo Tomás explica que a inveja nasce da tristeza pelo progresso do próximo, como se a graça fosse um bolo de tamanho fixo.

Num mundo conectado, ela se multiplica: cada post de viagem ou conquista alheia é um convite à amargura. Uma tristeza pela prosperidade alheia, pelo bem que o outro possui e, pior, além de não possuir forças para trabalhar e a partir dos frutos do trabalho obter bens iguais ou superiores ao da pessoa invejada, o invejoso acumula a preguiça e não sair do lugar, se permanecer na inveja e na tristeza da própria alma.

A cura? A caridade, que se alegra com o bem do outro, como nos ensina São Paulo: “A caridade não é invejosa” (1 Cor 13,4).

A IRA: A CHAMA QUE DEVORA A RAZÃO

A ira é o fogo descontrolado que consome a alma quando a vontade é frustrada. Não é só o grito no trânsito; é o rancor guardado, o comentário ácido, a vingança planejada. Santo Agostinho alerta: “A ira prolongada gera ódio”. Vivemos numa sociedade que aplaude a “indignação justa”, mas quantas vezes essa justiça é apenas o ego ferido gritando por atenção?

A ira é como um fósforo: útil se controlada, devastadora se solta. A paciência, virtude esquecida, é o antídoto que apaga o pavio antes da explosão.

Não confunda o leitor com a ira justa. A ira é um dom de Deus, mas não essa ira desordenada da alma, me refiro à ira justa, aquela que exige do homem uma atitude enérgica para repelir o mal e promover o bem.

Logo, ficar irado contra uma grande injustiça de um certo “dono do Brasil” para com perigosas senhorinhas de bíblia na mão é ato de ira justa e não importa quem seja o objeto dessa ira justa, o que importa é a ação para não ser condescendente com a maldade.

A PREGUIÇA: O SONO DA ALMA

A preguiça, ou acídia, não é só evitar o trabalho. É a negligência espiritual, a recusa em buscar o bem maior por puro desânimo. É o cristão que “deixa pra depois” a oração, a confissão, a caridade.

Como diz São João da Cruz, “a alma preguiçosa é como um lago parado: apodrece”.

Num mundo de distrações infinitas — notificações, séries, memes —, a preguiça veste-se de “relaxamento necessário”. Mas, enquanto a alma dorme, o tempo corre, e com ele a perda da chance de crescer em graça.

A SOBERBA: A RAINHA DOS VÍCIOS

Por fim, a soberba, a mãe de todos os pecados. É o homem que se coloca no trono de Deus, julgando-se o centro do universo. É o intelectual que despreza o “povão”, o ativista que se acha dono da verdade, o religioso que reza com ar de superioridade.

A soberba é considerada por Tomás de Aquino como o pecado capital mais grave, pois exalta o próprio eu acima de Deus e da verdade. É o desejo desordenado de superioridade.

Como ensina São Bernardo, “a soberba é o princípio de todo pecado, porque faz o homem querer ser como Deus”. A humildade, sua nêmesis, é o remédio amargo que o soberbo rejeita, mas que o conduz à verdadeira grandeza. Afinal, como disse Cristo: “Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Mt 23,12).

A soberba corrompe a humildade, leva à vaidade e impede a alma de reconhecer sua dependência de Deus e da graça divina.

A humildade é a virtude que combate a soberba, ao reconhecer a verdade sobre si mesmo e sobre Deus.

UM TERÇO CONTRA OS SETE

E agora, caro leitor, o que fazer diante desses gigantes? Não é com força bruta que se vence a gula, a avareza ou a soberba, mas com a graça divina, canalizada pela oração e pelos sacramentos.

Como já dizia um certo filósofo brasileiro, “reze o terço, não importa sua crença, e veja o poder que ele tem”. Um terço bem rezado — com fé, não com pressa — é como uma espada espiritual, capaz de cortar as raízes desses pecados. E se a Virgem Maria, Mãe da Misericórdia, intercede, quem poderá resistir?

Não se engane: os sete pecados capitais não são “erros do passado” ou moralismo ultrapassado. São as armadilhas eternas da condição humana, tão vivas hoje quanto no tempo de Adão. A boa notícia? Deus, em sua misericórdia infinita, não nos abandona.

Como disse Santa Faustina, “fala com teu Deus, que é Amor e Misericórdia mesma”.

Confesse-se, reze, ame. E, com um sorriso irônico para o mundo que aplaude o vício, escolha o caminho estreito que leva ao Céu. Afinal, como dizia São Tomás, a felicidade última é ver a Deus — e isso, nenhum pecado pode roubar, se você não permitir.

Rezemos, pois, um terço por nossas almas, para que a misericórdia divina nos livre desses sete tiranos e nos conduza à verdadeira liberdade.

Ah, já ia esquecendo. E o advogado, o que tem a ver com isso tudo?

Pois bem, ninguém, seja advogado, juiz, jornalista, Papa..., ninguém possuirá um equilíbrio em suas ações e conseguirá cultivar as virtudes necessárias às boas práticas no quotidiano se não combater os pecados capitais, e antes de combatê-los é necessário conhecê-los.

Pronto, você já conhece.