Um hábito firme e perpétuo de dar a cada um aquilo que é seu, isso é justiça.

Adiantamento de legítima, colação e doações em vida: o que a lei realmente exige

Entenda como doações de pais para filhos são tratadas como adiantamento de legítima, quando exigir colação, riscos de sonegação e impactos no inventário.

Luiz Carlos Cezar

12/11/20255 min ler

A transmissão de bens em vida, especialmente entre pais e filhos, é tratada pela legislação brasileira com rigor e precisão visando, em tese, a melhor distribuição da herança entre aqueles que ficam em vida.

Embora muitos imaginem que uma doação familiar seja apenas um gesto de generosidade (e, claro, não se poderia pensar diferente), no campo jurídico ela carrega efeitos diretos no futuro inventário e na igualdade entre os herdeiros.

Este breve artigo esclarece, de forma acessível e objetiva, como funciona o adiantamento de legítima, a colação e a parte disponível, e quais são os riscos legais para quem omite doações recebidas.

1. Doação de pai para filho: a regra jurídica que poucos conhecem

O Código Civil estabelece que toda doação realizada por ascendente a descendente é presumida como adiantamento de legítima, salvo se o doador expressamente declarar o contrário. Aqui já é o ponto mais importante, julgo eu, que se possa tratar neste assunto.

Digo, em termos práticos, que aquilo que se ajusta em vida, em se tratando de herança, deve ser exposto em papel, firmado doação formalmente posta e, claro, comunicado aos demais futuro herdeiros.

A lei entende (presume) que o pai, por exemplo, que doou aquele Fusca 79, de cor preta, ao filho, por ocasião de seu aniversário, é, na verdade, um adiantamento da herança. Então, quando o bondoso pai vier a falecer e for aberto o inventário, a informação de que João recebeu de Pedro o Fusca 79 deverá constar no processo de inventário.

A este ato de informar, dá-se o nome técnico de “colação”. Logo, João deverá informar no inventário essa doação e, por seu advogado, fazer a colação. Isto visa equalizar a herança, para que todos recebam em parcela idêntica entre si.

Porém, caso Pedro deseje doar o Fusca 79 e não queira que João informe no inventário, em ato futuro, Pedro deve formalizar a doação e expor, em letras objetivas e claras, que tal bem está sendo dado a João e tem como fonte a parte disponível de Pedro tem direito em dispor, qual seja o percentual de 50% (cinquenta) por cento de seu acervo patrimonial.

Em outras palavras, simplificando a questão: o bem recebido por um herdeiro necessário (filho, no caso, João) integra a sua herança futura e o valor doado deve ser trazido à colação, isto é, informado no inventário para igualar as quotas entre os demais herdeiros.

A lógica jurídica é simples: impedir que um herdeiro receba, em vida, vantagem patrimonial desproporcional, distorcendo a distribuição legal da herança.

Há de expor que o adiantamento da legítima (ou herança) não se confunde com a partilha em vida. São institutos absolutamente distintos. Aquele, trataremos neste breve artigo; este, em futuro.

2. A obrigação de colacionar: quando o silêncio se torna sonegação

Se o herdeiro necessário recebeu um carro, um terreno, dinheiro ou qualquer outro bem do pai ou da mãe, ele é obrigado a declarar essa doação no inventário.

Mas pensemos no caso comum de que João está pouco interessado no assunto e, apesar de instado, ficou em silêncio se recusando a informar nos autos o bem recebido em vida, pelo velho pai.

Pois bem, a lei previu este fato e impõe uma sanção civil, que é fruto dessa sonegação, e a sonegação implica em consequências severas:

a) Perda do direito sobre o bem sonegado;

b) Obrigação de ressarcir prejuízos;

c) Responsabilidade civil e patrimonial.

A colação não exige devolução do bem ao espólio; exige apenas sua declaração e imputação na partilha para manter a igualdade prevista nos artigos 1.847 e 1.992, do Código Civil. Diz o texto da lei:

Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.

Vê-se que a lei dispõe de tal sanção, peça fundamental para garantir uma equalização dos bens herdados.

3. Doações a terceiros e o limite da parte disponível

No caso da doação, se o Fusca 79, objeto de nossa análise, fosse ou seja doado a terceiros, ou seja, a pessoa que não é herdeiro necessário do doador, no caso nosso personagem Pedro, essa doação não se sujeita à colação.

Entretanto, aqui entra outro ponto fundamental, qual seja a parte disponível do patrimônio do doador que, como dito, é de 50% do seu patrimônio. Os outros 50% não poderão ser doados, pois constitui aquilo que se chama de “legítima”, que, nada mais menos é a parcela indisponível destinada obrigatoriamente aos herdeiros necessários (filhos).

Se o ascendente, no caso, Pedro, ultrapassar esse limite ao doar a terceiros, ou seja, doar mais do que 50% do seu patrimônio, a liberalidade se torna inoficiosa, podendo ser judicialmente reduzida para garantir a legítima dos herdeiros.

Pelo termo “inoficiosa”, entende-se como sendo esse excesso ilegal em doações ou disposições testamentárias que fere o direito mínimo dos herdeiros necessários.

Porém, se o doador ultrapassar o limite da parte disponível ao favorecer um herdeiro ou terceiro, cabem as seguintes medidas:

a) Redução da doação, ajustando-a aos limites legais;

b) Compensação na partilha;

c) Proteção da legítima dos demais herdeiros.

A lei preserva a liberdade de doar, mas impede que a liberalidade comprometa direitos sucessórios essenciais.

4. Doações a descendentes, cônjuge e companheiro: regras específicas

Vê-se que a colação só é exigida para o herdeiro necessário, filhos, exceto se, como já dito acima, a doação seja expressa no sentido de que tal bem faz parte do percentual do patrimônio disponível, que, já dito, é de 50%.

Uma dúvida que é bastante comum é o surgimento de um novo herdeiro necessário, por exemplo, o nascimento de mais um filho. Isto não invalida doações já realizadas antes de seu nascimento. Contudo, se o inventário ainda não estiver encerrado, a partilha poderá exigir ajustes, para que todos os herdeiros recebam o quinhão legalmente devido.

Pode ocorrer, ainda, a necessidade de colacionar quando se trata da convivente/esposa, pois isso depende do regime de bens firmado entre o casal. No regime da comunhão universal, por exemplo, há hipóteses de incomunicabilidade; em outros regimes, a colação pode ser exigida para evitar desequilíbrio patrimonial entre os herdeiros, o que será objeto para outra análise.

CONCLUSÃO

A legislação sucessória brasileira protege os herdeiros necessários e impõe limites claros às doações em vida. Ignorar tais regras pode transformar um presente de família em um problema jurídico sério, com perdas patrimoniais, nulidades e conflitos duradouros.

A solução é sempre a mesma: clareza, documentação e informação correta no inventário. Evitar confusões, brigas, intrigas, que geralmente ocorrem em processos de inventário, é uma boa maneira de fazê-lo ser concluído com certa brevidade.

Doações são legítimas, mas o seu reflexo sucessório precisa ser respeitado para garantir uma partilha justa e juridicamente segura.



Fonte: lei 10.406/2002 - Código Civil Brasileiro