
Guerra entre herdeiros por falta de organização prévia
Três medidas simples para transformar confusão em acordo: inventário imediato, planilha de bens e extratos completos.
INVENTÁRIO


A mesa está tomada por papéis. A mãe, viúva, enxuga as lágrimas em silêncio. Sete herdeiros falam ao mesmo tempo. “Esse carro era do pai.” Outro: “Nunca foi.” Um terceiro: “Cadê os extratos?” No canto, uma pasta velha com contas pagas e contratos soltos. Ninguém sabe onde está a matrícula do apartamento do centro. Alguém jura que existe uma poupança “esquecida” e, no final das contas, a família se fragmenta.
Outro diz que o pai “prometeu” o sítio para ele, mas aquilo era novidade para a família. A esperança de consenso evapora a cada minuto. Não é ganância pura ou malícia, isso se chama desorganização.
Quando ninguém sabe o que é de quem, a desconfiança vira regra e, claro as intrigas e confusões iniciam. Mas guerra de herdeiros não é destino, é, no fundo, como dito, desorganização, e também, falta de método. E ambos se aprendem.
Por que famílias entram em guerra?
Brigas sucessórias costumam nascer menos do valor dos bens e mais da opacidade sobre eles. O que inflama o conflito? Informação assimétrica: um herdeiro tem acesso a documentos; os outros, não, por exemplo Há, ainda, a memória seletiva, quais sejam as promessas verbais viram “direitos” na cabeça de cada um. Os documentos dispersos, tais como contratos, extratos e matrículas espalhados em gavetas, e-mails e nuvens.
A demora para iniciar o inventário gera, necessariamente, o acirramento de conflito. Sem processo aberto, ninguém tem papel claro, pois tudo vira disputa política na família, principalmente se os bens herdados forem volumosos.
No fundo, lamentavelmente, há muitos conflitos nas famílias, pós luto, justamente pela falta, como já dito, de organização, de informações suficientes, de promessas do falecido a um dos filhos, falta de linguagem comum, a falta de planilha e extratos, o que torna tornam as narrativas não sobre fatos, mas sobre versões de cada herdeiro.
E qual o resultado disso tudo? relacionamento quebrado, custos maiores, tempo perdido e patrimônio que desvaloriza, principalmente em favor do Estado, que sempre está à espreita para dilapidar a propriedade dos cidadãos.
O erro oculto: inventário tardio, sem planilha e sem extratos
O Direito brasileiro adota a saisine: termo francês, que é o princípio segundo o qual, no exato momento da morte, a herança se transmite automaticamente aos herdeiros. Morreu, os bens já são transmitidos aos herdeiros, ficando dependente apenas a formalização de sua tradição.
Com a morte, a herança transmite-se automaticamente aos herdeiros legítimos e testamentários (Código Civil, art. 1.784). Isso não significa “cada um pega o que achar”. Significa que a titularidade jurídica nasce, mas precisa ser organizada ou, melhor, formalizada.
Dois vacilos turbinam a briga familiar:
Inventário tardio: adiar a abertura do inventário é deixar o conflito amadurecer e a desconfiança aumentar;
Ausência de mapa patrimonial: sem planilha e extratos completos, cada reunião vira furdunço de versões.
Sem inventário, sem planilha e sem extratos, mesmo famílias unidas entram em espiral de suspeitas.
O caminho em 3 passos
Para auxiliar todas as famílias que têm enfrentado o luto, que é inerente à vida humana, dou aqui, três passos úteis para esclarecer cada família.
1. Inventário imediato (comece agora)
O primeiro deles é que não se demore mais do que 30 (trinta) dias para abrir o inventário. Havendo testamento ou herdeiro incapaz, o inventário deve ser judicial (CPC/2015, art. 610).
O inventário será extrajudicial quando todos os herdeiros são capazes e concordes, é possível fazê-lo mediante por escritura pública em cartório, com advogado(s), conforme previsão do artigo 610, §1º, da lei 13.105/2015.
Aí fica uma pergunta: por que começar já? Por que isto evita multa do Estado, sobre os bens inventariados, que giram em torno de 20% (vinte por cento), o que é um absurdo. Reafirmo o que disse antes: o Estado quer garfar o patrimônio do cidadão e quanto mais este relaxar em suas obrigações, mais o Estado ganhará.
Aberto o inventário, nomeia-se o inventariante, que é o representante do espólio. Obtêm-se ordens para levantar documentos, movimentar contas, vender bens, pagar dívidas e partilhar com segurança. O processo, assim, caminha.
2. Planilha de bens: o mapa que pacifica
Sem planilha, a conversa é abstrata. Com planilha, a conversa é objetiva. O ideal é que se tenha anotado todos os bens herdados e expostos aos demais herdeiros. Então, a dita é Estruture por abas:
a) Imóveis: matrícula, endereço, ônus, IPTU, valor de referência.
b) Veículos: placa, Renavam, situação de débitos.
c) Bancos/Corretoras: instituição, tipo de conta, saldo na data do óbito.
d) Cotas/Empresas: participação, documentos societários, últimos balanços.
e) Direitos/Créditos: aluguéis, precatórios, verbas rescisórias.
f) Seguros/Previdência: apólices, beneficiários, valores.
g) Bens móveis de valor: descrição, fotos, notas fiscais.
h) Dívidas/Obrigações: credor, contrato, garantia, saldo.
Colunas padrão: descrição, documento comprobatório, onde está o documento, valor estimado, titularidade, status (confirmado/em apuração), responsável pela checagem.
O terceiro passo é tão fundamental quanto os outros.
3. Extratos completos (fatos, não suposições)
A planilha sem extratos é palpite tabelado. Reúna, no mínimo:
a) Extratos bancários (12–24 meses) e posição consolidada de investimentos.
b) Corretoras (notas, posição, proventos).
c) Receita Federal (IRPF/IRPJ, e-CAC com autorização dos herdeiros).
d) INSS (CNIS, para localizar benefícios e vínculos).
e) Cartórios (certidões de matrícula atualizadas, protestos).
f) DETRAN (veículos e débitos).
g) Seguros/Previdência (apólices, beneficiários).
Transparência reduz imaginação e a desconfiança. Com este dois reduzidos, conflito cai.
Ante o exposto, considerando que há muitas vontade envolvidas num processo de inventário, seja dos herdeiros, seja do Estado, passo adiante um checklist fundamental para todo inventariante e família, capaz de auxiliar nesse processo doloroso pós luto.
Passo a passo prático - Checklist de documentos:
a) Certidão de óbito e documentos pessoais do falecido (RG/CPF).
b) Documentos dos herdeiros (RG/CPF, certidões de nascimento/casamento).
c) Certidão de casamento/união estável do falecido (e regime de bens).
d) Testamento, se houver (com prova de registro/abertura).
e) Imóveis: matrículas atualizadas, IPTU, contratos.
f) Veículos: CRLV/DUT, histórico de débitos.
g) Bancos/Corretoras: extratos 12–24 meses, posição consolidada.
h) Receita Federal: cópias do IR dos últimos 5 anos, procuração e-CAC.
i) Empresas: contratos sociais, alterações, balanços/declarações.
j) Seguros/Previdência: apólices, certidões de beneficiários.
k) Dívidas: contratos, boletos, notificações de cobrança.
l) Certidões de protesto e ações (quando necessário).
Prazos que importam:
a) Abrir o inventário: o quanto antes; a via judicial é obrigatória em caso de testamento/incapaz (art. 610, CPC). Se possível, use a via extrajudicial (art. 610, §1º, CPC) para ganhar tempo e previsibilidade.
b) Concluir a partilha: planeje desde o início; inventários bem organizados encurtam caminho e reduzem custo fiscal e cartorário.
Erros comuns e como evitar
a) Procrastinar a abertura do inventário: cada mês parado aumenta custo, atrito e risco de perda de valor. Aja já.
b) Pular a planilha: discutir sem mapa é rodar em círculo. Planilha única, compartilhada e versionada.
c) Extratos incompletos: “depois a gente pega” vira “nunca pegou”. Peça tudo de uma vez.
d) Promessas informais como “direito adquirido”: sem documento, sobram ressentimentos. Formalize.
e) Sigilo entre irmãos: esconder papel “para se proteger” só acende o pavio. Transparência total.
f) Misturar bens particulares e do espólio: crie pastas e etiquetas claras. Organização visual decide reuniões.
Conclusão
A paz sucessória não nasce do “jeitinho” brasileiro. Aliás, esse jeitinho brasileiro é o que torna o cidadão iníquo, pois geralmente nasce da corrupção e muito menos da clareza.
Corrupção deve ser extirpada e a clareza vem de processo aberto, planilha única e extratos oficiais. Com isso, a conversa deixa de ser “contra pessoas” e passa a ser sobre fatos, e fatos fecham partilhas.
Daí, uma família, antes prejudicada e conflituosa, torna-se uma família mais harmoniosa, claro, a depender da boa vontade de cada um.
