O Juiz iníquo e a virtude cardeal da justiça

Talvez pensemos que todo brasileiro saiba o que significa um juiz iníquo. A função de um juiz, independentemente de sua jurisdição e de sua convicção ideológica ou de interesse pessoal, é o de cumprir a justiça conforme a lei.

Luiz Carlos Cezar

8/26/20258 min read

Talvez pensemos que todo brasileiro saiba o que significa um juiz iníquo. De fato, é impossível que todo brasileiro saiba o que isso significa, ao menos o real significado prático, por inúmeros motivos que não cabem neste artigo, mas, digo sem medo de errar: o maior deles é a péssima formação intelectual de nossa gente e, ainda, a decadência moral forjada de inúmeras formas por diversos meios.

Antes, entendamos que a função de um juiz, independentemente de sua jurisdição (trabalhista, comum, federal, de contas etc.) e de sua convicção ideológica ou de interesse pessoal, é o de cumprir a justiça conforme a lei. Isso é o mínimo que se espera de um magistrado. Por “justiça”, entenda-se: dar a cada um aquilo que é seu.

Ora, isso é regra básica elementar oriunda da lei natural, inscrita no homem desde sempre, exposta na antiguidade pelos grandes filósofos que já pisaram nesta terra, que todo e qualquer estudante de Direito deveria assimilar e levar consigo até a eternidade. Por “lei”, entenda o leitor: toda e qualquer norma, para fins deste artigo, é considerada lei, pois há espécies de normas que não são leis, tais como o decreto, a resolução, medida provisória, por exemplo, em que pesem terem força de lei. A lei, propriamente, surge na casa legislativa dos entes federativos: União (Congresso Nacional), Estado (Assembleia Legislativa) e municípios (câmaras municipais).

Santo Tomás de Aquino, que muito será citado neste breve artigo, ensina que são três as condições exigidas para que um juízo seja um ato de justiça[1]: primeiro, que se advenha de uma inclinação justa; segundo, que proceda da autoridade do chefe; terceiro, que seja proferido pela razão reta da prudência. Diz ele que a falta de qualquer um desses requisitos torna o juízo vicioso e ilícito. Isto vale tanto para o magistrado quanto para qualquer ser humano. Se o juízo for contra a retidão da justiça, ele será pervertido ou injusto.

Se ele for proferido sem a autoridade do chefe, ou seja, daquele que detém o poder de analisar o caso e julgar, ele será um juízo usurpado ou, em outros termos, também, um juízo incompetente, pois a ele não é dado o poder de julgar o caso. Um exemplo é um processo e julgamento que tramita em instância da qual ali não deveria tramitar, mas deveria tramitar em instância diversa. Por fim, se o ato do juízo não houver certeza da razão, quando houver só conjecturas, por exemplo, sem certeza do caso, ele será chamado de suspeitoso ou temerário, neste caso porque ninguém pode saber o que se passa nos corações alheios.

Dito isto, para que entendamos o que seja um juiz iníquo, basta que saibamos o que seja um justo juiz, pois a evidência de um explica a outro. Aquele homem que, designado nos termos da legislação vigente, para julgar os casos que lhes chegam à mesa, deve possuir virtudes necessárias ao perfeito exercício desse magistério que, antes de ser uma mera profissão, digo, é um compromisso com a própria consciência reta e com a própria justiça, pois o “juiz significa, por assim dizer, aquele que diz o direito”.[2]

Sabe-se que a justiça é uma das quatro virtudes cardeais, e é classificada após a principal delas, a prudência. Em seguida está a fortaleza e, por fim, a temperança: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Desse conjunto, somente ela, a justiça, trata das questões relacionadas a terceiros, enquanto as demais virtudes cardeais tratam das relações para consigo mesmo. Se no dia a dia observamos que determinado Juiz não está sendo justo em suas decisões que, evidentemente, são escandalosas e, por natureza, à revelia da lei natural e da legislação vigente, já entendemos que se trata de um juiz iníquo, e aí se pergunta: que fazer?

Para responder a esta pergunta há diversas formas. Digo que, primeiro, é necessário saber a que tipo de país se está falando de tal hipótese. Se falamos de um país onde as instituições são independentes, hierarquizadas e ordenadas, que possuem finalidades nobres e seus servidores agem nos termos da legislação vigente, com vistas ao bem comum e à prática da verdadeira justiça, estamos a falar de um país genuinamente democrático e livre. Se estamos a tratar da China comunista, notadamente a decisão advém da mentalidade revolucionária impregnada depois de décadas de opressão e controle, sanguinária e essencialmente injusta, nos termos da ordem PCCh – Partido Comunista Chinês. Neste caso, qualquer decisão que advenha da pena do Juiz será iniquidade pura e perseguição política notória: pura lástima.

Mas, por outro lado, se estamos a falar de um país que se diz democrático, que as decisões iníquas daquele juiz têm sido validadas por todos os seus pares, cujos termos perseguem, oprimem e corroem aquilo que, na essência, se trata de valores democráticos e direitos elementares do cidadão, tais como liberdade de expressão, direito de manifestação, livre imprensa, neste caso onde muitos jornalistas dizem ser democracia, mas que esses mesmos jornalistas não têm a coragem de discutir determinados assuntos, tal como “urna eletrônica”, por causa, justamente, desse mesmo juiz (ou de seus asseclas comandados), notadamente não há democracia, pois o que há é um verniz de democracia, e julgo que esse verniz é a própria linha existente que separa o que se pode ou não se pode dizer. Pior, isso não vale a todos, mas somente para uma classe de pessoas, pois a outra classe está protegida pelo Juiz iníquo.

Se os próprios jornalistas receiam em discutir esse ou aquele assunto, por medo do Juízo Supremo, notadamente a democracia já acabou há tempos, pois é próprio de uma democracia dar a cada cidadão o direito de dizer o que pensa, coisa que não ocorre em países que rejeitam a “democracia”.

Refiro-me não à palavra “democracia”, pois a palavra “cão” não morde, mas à essência e a prática dessa palavra tão usada pelos revolucionários, pois eles mesmos rejeitam o exercício regular de uma verdadeira democracia, usando apenas a palavra em si para dar a aparência do que ela representa, com finalidade de manipular o povo e, para tanto, prendem, matam, torturam e aniquilam direitos sempre em nome dessa mesma democracia, que essencialmente não tem nada de democracia.

Em outras palavras, para ser mais objetivo: um juiz que julga conforme o seu humor, regulado pelo intestino[3]; um juiz que julga conforme os parceiros de crime lhe pedem (ou obrigam, por chantagem); um juiz que julga por pura e absoluta malícia, num país onde se diz haver democracia, é um juiz totalmente iníquo e a própria nação à qual ele representa já sucumbiu à sua caneta e à caneta de seus pares pois, afinal, “é propriamente o hábito da virtude que nos leva a definir as obras virtuosas[4], e um juiz iníquo não é virtuoso e isso é evidenciado pelas suas obras que, claro, não possuem virtudes.

O hábito significa atos repetidos no tempo e que, pela força da vontade, pode ser alterado. A depender do vício, pode prolongar-se a demora para tal alteração e, não incomum, exija-se a intervenção de terceiros para fazer cessar o mau hábito, pois isso é muito salutar tanto para o próprio viciado quanto para a sociedade.

A virtude habitual de um juiz revela que ele detém a vontade de manter-se obediente à legislação vigente, sendo um ato da razão[5], e também mantém-se no compromisso com sua própria consciência, já que ela muito pesa quando realiza atos perversos e exige, internamente, correção daquilo (ao menos para uma mente não totalmente impregnada pelo mau) pervertido ou, caso a própria legislação seja iníqua, ele, nos termos de sua convicção forjada pela justiça, aplica ao caso concreto a própria justiça, e não a iniquidade escrita, já que o juízo pertence à justiça e é ele, o juiz, quem diz o direito[6], como já dito.

Um exemplo claro que podemos dispor do hábito justo com juízo reto é o caso da magistrada de Santa Catarina que, buscando salvar a vida do feto, tentou com que não fosse realizado o aborto na criança grávida, de 10 anos. O problema é que ela foi censurada pelo CNJ, três anos após, sob o argumento de que a juíza interferiu no caso aplicando valores pessoais e não pensando no melhor para a criança que, no caso, seria o aborto, na visão deles[7]. Ou seja, mesmo tendo cumprido a lei, contida no Art. 5º da Constituição Federal, que trata do direito à vida, a magistrada foi censurada e perseguida.[8] Que “bela” democracia.

O juízo é ato de justiça e nos inclina a julgar retamente.[9] Quando um comum faz juízo de um evento qualquer, ele o deve fazer conforme a justiça, munido pela caridade, bom senso e fraternidade, até porque “o homem espiritual tem, pelo hábito da caridade, a inclinação para julgar retamente de tudo...”.[10] Quando um homem qualquer julga mal, talvez o faça por erro, que pode simples má interpretação do caso, pode ser negligência em buscar conhecê-lo detidamente, por imprudência ou mesmo imperícia, esta, típica do brasileiro, que se dá a opinar sobre tudo, mesmo sem conhecer nada do objeto opinado, professor Olavo de Carvalho, quem, com veemência, afirmava.

O ponto desta questão não é em si a opinião somente, mas a inclinação natural que o homem tem em, conhecido a coisa, julgar para dela usufruir, seja conceitualmente ou materialmente, ou mesmo auxiliar outros na persecução de causas superiores à mesquinharia diária, que pode ser a verdade, o bem, a justiça.

Quando um magistrado faz o juízo do caso, do mesmo modo ele deve agir tendo em vista a justiça, sempre, pois sempre deve haver justiça no juízo, e fugir a essa regra é tornar-se um juiz iníquo. Logo, a essência da iniquidade de um juiz se dá quando ele julga diferente da lei natural, da lei positiva e das regras comuns de boa convivência olhando para a justiça, a verdade e o bem comum da sociedade, pois, “o juízo é justo na medida em que é um ato de justiça[11], e agir com justiça” é um hábito, conforme dito anteriormente.

Por fim, o maravilhoso nisso tudo é que você, eu e o senhorzinho que acorda às 5:00 horas, diariamente, pega dois ou três ônibus para o trabalho, chega em casa cansado, já à noite, e tem por únicas preocupações da vida o pagamento das contas, a manutenção da família e não morrer de fome, pode, com certa obscuridade, não precisar conhecer a legislação vigente, não precisar ser formado em Direito, não precisar sequer ter concluído o ensino para compreender que determinadas coisas são imutáveis, eternas e sagradas.

Digo, uma pessoa analfabeta sabe que aborto é assassinato, que furto é desvio de caráter e crime e que condenar alguém injustamente é um ato gravíssimo e um ato puramente abjeto e, absolutamente, repreensível. A lei natural sempre exige a retidão da consciência e, pelo que se vê, de modo geral, há muitos brasileiros que não a obscureceram e lutam para que este país não seja dominado, em todas as instâncias, pela iniquidade promovida por poucos que possuem muito poder. Mas há de lembrarmo-nos: toda autoridade vem de Deus e o povo, submetido a essa autoridade, poderá exercê-lo de várias formas, seja à buzina de seu veículo, seja com seu voto na urna, que ainda é eletrônica.


REFERÊNCIAS:

[1] AQUINO, Santo Tomás. Suma Teológica, volume 3: IIa, IIae. Campinas: Ecclesiae, 2016, p. 388, questão 60, artigo 2, solução.

[2] AQUINO, Santo Tomás. Suma Teológica, volume 3: IIa, IIae. Campinas: Ecclesiae, 2016.

[3] O instetino é um órgão que pode afetar o humor do homem. Disponível em: https://www.hopkinsmedicine

.org/health/wellness-and-prevention/the-brain-gut-connection?. Disponível em: https://www.health.harvard

.edu/diseases-and-conditions/the-gut-brain-connection?

[4] Idem.

[5] Idem.

[6] Idem. Q. 60, art. 1, solução.

[7] Trata-se do caso da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que era titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Tijucas (SC). Matéria disponível em: https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/cnj-decide-abrir-processo-contra-juiza-por-tentar-impedir-aborto-ilegal-de-bebe-com-30-semanas-de-gestacao.

[8] Disponível em: https://revistaoeste.com/saude/conselho-nacional-de-justica-desaprova-juiza-que-impediu-aborto-em-menina-de-10-anos/

[9] Idem. Q. 60, art. 1, resp. à primeira objeção.

[10] Idem.

[11] Idem. Q. 60, art. 2, solução.