O perigo de adiar o inventário: como o “depois” gera multas, bloqueios e perdas silenciosas
A morte interrompe rotinas, expectativas e vínculos. É, sem dúvida alguma, um dos principais eventos da existência humana.
INVENTÁRIO


O perigo de adiar o inventário: como o “depois” gera multas, bloqueios e perdas silenciosas
A morte interrompe rotinas, expectativas e vínculos. É, sem dúvida alguma, um dos principais eventos da existência humana. Sem a morte, obviamente, desnecessário seriam inúmeras ações humanas, o inventário, claro, sequer existiria.
Porém, a morte faz parte da condição do homem, neste plano terrestre que, inevitavelmente traz dor, sofrimento e algumas atitudes exigidas pela legislação vigente. Ou seja, a morte não interrompe o dever jurídico que surge imediatamente após o falecimento: a abertura do inventário.
A lei não suspende prazos por causa do luto. Respeita, claro, mas não há suspensão de prazo ou mesmo interrupção. O Estado não envia condolências e de um ente abstrato como este, impossível o seria. Os bancos não flexibilizam procedimentos. A realidade é simples: quanto mais o inventário é adiado, maior o prejuízo financeiro imposto à família, e não apenas financeiro.
Este artigo tem por finalidade explicar, de forma direta e acessível, por que o atraso do inventário representa um risco real ao patrimônio dos herdeiros e como agir corretamente desde as primeiras semanas.
1. A ilusão do “depois a gente resolve”
A frase que mais prejudica famílias em situação de inventário é exatamente a mais comum: “depois a gente resolve”. Há de entendermos que é até compreensível tal situação, visto que o luto impacta por demais os sobreviventes e, muitas vezes, revelam um sinal de rejeição a tudo o que diz respeito às providências pós-morte, em especial à partilha dos bens herdados. Isto traz, inevitavelmente, dor.
Alguns conseguem superar com facilidade, mas outros tendem a procrastinar e a demorar superar essa fase difícil. A postergação, motivada pelo luto, pela confusão emocional ou pela falta de orientação, gera efeitos concretos: multas, juros, bloqueios bancários, impossibilidade de venda de bens e desorganização duradoura da vida financeira da família.
O tempo passa, mas as consequências permanecem e se acumulam.
2. O prazo legal: o relógio que começa a correr imediatamente
A legislação estabelece que o inventário deve ser aberto no prazo de 60 dias a contar do falecimento. Ultrapassado este período, aplica-se multa que varia conforme o estado, podendo atingir percentuais significativos sobre o ITCMD.
Trata-se de uma sanção objetiva: não depende de intenção ou culpa. Basta o atraso. Assim, a demora em iniciar o procedimento impacta diretamente o valor final a ser pago, reduzindo o patrimônio a ser partilhado.
3. Multas e juros: a deterioração silenciosa da herança
A multa pelo atraso é apenas o primeiro problema. Aliás, é um problema relevante visto que 20% já é grande perda.
Em muitos cenários, os valores devidos aumentam com juros, atualização monetária e, em alguns casos, com exigências adicionais que dependem de regularização documental, visto que geralmente há ocorrências de irregularidades documentais dos bens herdados.
O que era um inventário simples transforma-se em um procedimento mais longo, mais caro e mais desgastante e, claro, com maior tensão entre os herdeiros e meeira.
O patrimônio que deveria sustentar a família passa a ser consumido por encargos legais, pelo menos parte relevante dele.
4. Bloqueios bancários: quando o próprio dinheiro da família fica inacessível
Outro ponto sensível é o bloqueio imediato das contas bancárias do falecido. É um dever do banco em providenciar a estabilidade dos valores ali depositados para que, por ordem do Juízo ou após a regularização do inventário, tais valores sejam distribuídos ao novo proprietário.
Independentemente da necessidade dos herdeiros ou da urgência financeira, o banco está obrigado por lei a impedir movimentações até que o inventário seja iniciado.
Não é incomum que algum ente sobrevivente movimente a conta, mediante uso de senha pessoal, por ter acesso a esta, mas isso é posto em Juízo, com a justificativa razoável, geralmente em relação às despesas inerentes ao velório e outras de urgência.
Sem inventário, não há liberação de valores, não há acesso a poupança, aplicações, FGTS ou saldo de contas. A família, que já enfrenta a perda, passa a lidar com a impossibilidade concreta de utilizar recursos que pertencem ao próprio núcleo familiar.
A ausência de inventário cria um bloqueio jurídico imediato: nenhum documento essencial à venda, à transferência ou à regularização de bens pode ser emitido. Escrituras ficam inviabilizadas, registros permanecem ialterados e o herdeiro, por mais bem-intencionado que esteja, não possui legitimidade isolada para dispor de absolutamente nada.
Sem a partilha formal, tudo se transforma em um patrimônio paralisado, juridicamente intocável. E a realidade se impõe com força:
a. imóveis desvalorizam e se deterioram silenciosamente;
b. veículos deterioram com o tempo e com a falta de uso;
c. oportunidades comerciais simplesmente evaporam;
d. e o patrimônio, que deveria circular e produzir riqueza, permanece engessado.
O que deveria ser apenas um procedimento burocrático vira um inimigo discreto. Cada mês sem inventário corrói valor, amplia riscos e transforma o tempo, que deveria ser aliado, em prejuízo real, mensurável e muitas vezes irreversível.
6. Inventário judicial, extrajudicial e inventário atrasado: diferenças essenciais
O inventário extrajudicial é, por natureza, o caminho mais rápido, simples e financeiramente leve. Resolve-se em cartório, evita burocracia desnecessária e permite que a família regularize o patrimônio com agilidade.
Mas essa via tem pressupostos inegociáveis: consenso pleno entre todos os herdeiros e inexistência de testamento válido. Basta um único ponto de divergência para que a porta do extrajudicial se feche.
O inventário judicial, por sua vez, exige a presença do Estado-juiz, o que inevitavelmente acrescenta tempo, formalidades e custos. É o procedimento adequado quando há conflitos, herdeiros incapazes, dúvidas sobre o patrimônio ou qualquer situação que impeça a via cartorária. A demora não é um defeito do processo, é uma consequência natural da necessidade de decisões judiciais.
Já o chamado “inventário atrasado” não constitui uma categoria jurídica autônoma. É, na verdade, um problema concreto: custos aumentam, multas surgem, a liquidez dos bens diminui, documentos se desatualizam e a regularização de toda a vida patrimonial torna-se mais difícil, lenta e onerosa. A família acaba pagando, em dinheiro e em desgaste emocional, o preço da demora.
Em todas as modalidades, a regra permanece inalterável: o melhor inventário é sempre aquele iniciado no prazo, antes que o patrimônio congele, que as despesas cresçam e que o tempo, silenciosamente, se transforme em prejuízo.
7. O que fazer nas primeiras semanas após o falecimento
Para evitar prejuízos, é essencial agir com estratégia. Os passos iniciais incluem:
Reunir documentos pessoais do falecido e dos herdeiros;
Identificar bens, dívidas, extratos bancários, contratos e matrículas;
Verificar existência de testamento;
Escolher o melhor tipo de inventário (judicial ou extrajudicial);
Iniciar formalmente o procedimento dentro do prazo legal.
Essas providências evitam erro, reduzem custos e preservam o patrimônio da família.
8. O papel do advogado especializado
Inventário não é apenas um procedimento técnico, é um processo que exige sensibilidade, precisão e tempo. A atuação do advogado especializado garante inúmeras ações que geram maior confiança relação x cliente, bem como eficácia no trabalho prestado, e envolve:
1. orientação clara e acessível;
2. organização documental;
3. escolha do procedimento adequado;
4. proteção do patrimônio;
5. prevenção de litígios entre herdeiros.
Mais do que conduzir um processo, trata-se de conduzir uma família em um momento delicado, que é um dos principais eventos da existência humana, qual seja, o falecimento de um ente querido.
Há de ser assegurado, dentre outros fatores, que o patrimônio construído ao longo da vida não se perca por falta de orientação ou por atos desordenados, que impliquem prejuízos.
Conclusão: o inventário não é sobre a morte, mas é sobre proteger os vivos
Iniciar o inventário no prazo legal não é mera formalidade, é um ato de responsabilidade, visto que o contrário trará prejuízos à família.
O processo de inventário é, antes de tudo, uma garantia de que a família terá acesso aos bens, aos valores e à tranquilidade que o falecido deixou. Adiar sua abertura significa pagar mais, esperar mais e sofrer mais, tensionar desnecessariamente os entes que necessitam da solução desse processo.
A orientação correta, no momento certo, preserva o patrimônio e evita prejuízos que poderiam ser totalmente evitados.
