União estável sem formalização

Como evitar a “invisibilidade” no inventário com reconhecimento formal, prova robusta e efeitos sucessórios claros.

UNIÃO ESTÁVEL

Luiz Carlos Cezar

11/13/20255 min read

União estável sem formalização

Como evitar a “invisibilidade” no inventário com reconhecimento formal, prova robusta e efeitos sucessórios claros.

Ele se foi numa terça-feira cinzenta. No velório, a família organizava papéis; ela, ao lado, em silêncio. Viveram juntos oito anos. Contas divididas na prática, afeto público, planos longos — mas nada no papel.

No cartório, a pergunta que fere: “A senhora é o quê dele?”. Os irmãos desviam o olhar. “Namorada?”, arrisca alguém. O banco congela a conta. O condomínio pede procuração. O inventário não a enxerga, porque o mundo jurídico exige prova, não apenas memórias.

Não é desamor: é falta de formalização. Sem reconhecimento e sem lastro documental, o companheiro vira “invisível”, especialmente quando há bens, expectativas e pressa. A solução não é dramática: é método. E método, aqui, significa três movimentos simples e complementares: i) fazer o reconhecimento (judicial ou extrajudicial); ii) construir prova robusta; e iii) compreender os efeitos sucessórios aplicáveis.

O ponto de partida é entender por que a invisibilidade acontece. Vida em comum não se confunde com prova. A união estável, em termos jurídicos, é convivência pública, contínua e duradoura, com intenção de constituir família (Código Civil, art. 1.723). Isso precisa ser demonstrado com evidências. Sem documentos, sem testemunhas, floresce a tese do “era só namoro”.

Bancos e cartórios, por sua vez, trabalham com base jurídica objetiva para liberar valores, registrar atos e dar seguimento ao inventário; sem uma âncora formal, travam. O processo sucessório, então, segue cego: se a união não está reconhecida, o companheiro simplesmente não aparece na partilha. E o tempo pesa contra: quanto mais a regularização demora, mais caro fica o conflito, maior a insegurança, o drama e mais difícil recompor a verdade dos fatos.

O erro comum é somar anos de convivência a zero de formalização e pouco lastro probatório. Na ausência de pacto escrito, vale a regra da comunhão parcial (art. 1.725 do CC), mas esse regime não dispensa provar que houve união estável. A falta de documentos em conjunto, tais como contratos de aluguel ou financiamento, contas, declaração de imposto de renda com dependência, a indicação como beneficiário em planos, por exemplo, enfraquece a posição do sobrevivente. O principal meio de prova é a testemunhal, que demonstra ao Juízo situação fática.

No inventário, a discussão sobre “existiu ou não união estável” consome energia, tempo e dinheiro, e pode excluir o companheiro até que o vínculo seja reconhecido. Daí a necessidade do primeiro movimento: reconhecer a união.

Se há consenso e documentação minimamente consistente, a via extrajudicial por escritura pública, com assistência jurídica, é rápida e funcional. Quando há conflito, resistência da família, lacunas de prova ou urgência com litígio iminente, a ação de reconhecimento é a via adequada; ela produz prova em juízo e culmina em título judicial que “liga” os demais atos, do banco ao cartório. Em ambos os casos, o objetivo é o mesmo: transformar a realidade fática em realidade jurídica, visível para quem precisa enxergar.

O segundo movimento é montar um dossiê de prova robusta. O ideal é construir múltiplas camadas convergentes, capazes de mostrar a vida em comum por ângulos distintos: endereço compartilhado em documentos de ambos; coobrigação em contratos de aluguel, financiamento ou mesmo cartão adicional; a indicação de dependência no IR, no plano de saúde, no clube ou no INSS; apólices e planos de previdência apontando o companheiro como beneficiário; extratos que evidenciem organização econômica conjunta; certidões de filhos, quando houver; testemunhas qualificadas, tais como vizinhos, o síndico, amigos próximos que acompanham a rotina; e registros da vida comum com datas e contexto, sempre com cautela e respeito à privacidade. Fotos isoladas ajudam pouco; combinadas com documentos “duros”, ganham força.

O terceiro movimento é compreender os efeitos sucessórios. No falecimento, os direitos do companheiro seguem a disciplina do art. 1.829 do Código Civil, alinhada à do cônjuge, observando-se o regime de bens e, sobretudo, a distinção entre meação e herança.

Meação é a fatia que decorre do regime patrimonial, em regra, na comunhão parcial, abrange os bens adquiridos onerosamente na constância da união. Herança é a vocação sucessória sobre o acervo do falecido. Sem o reconhecimento da união, o companheiro não entra no inventário como meeiro ou herdeiro. Com o vínculo reconhecido e a prova organizada, a partilha deixa de ser uma disputa de versões e passa a ser a execução de um direito claro.

Como transformar isso em prática imediata? Se há consenso e documentação razoável, providencie a escritura pública de reconhecimento. Se a família resiste ou se as provas ainda são frágeis, ajuíze a ação de reconhecimento e, desde já, leve ao processo a espinha dorsal do dossiê: comprovantes de endereço comum, contratos com coobrigação, declarações de imposto de renda indicando dependência, cadastro como dependente em planos, apólices com beneficiário, extratos que demonstrem gestão integrada, certidões de filhos e a lista de testemunhas.

Se a morte já ocorreu, peticione no próprio inventário pelo reconhecimento incidental, anexando o que tiver, para assegurar, no mesmo processo, a posição de meeiro e herdeiro conforme o caso. A lógica é simples: não discutir sentimento; demonstrar fato e fatos são provados por documentos e testemunhas.

Algumas armadilhas precisam ser evitadas. Adiar a formalização e a coleta de provas por “depois a gente vê” torna o companheiro vulnerável justamente quando mais precisa de amparo. Confiar apenas em fotos e redes sociais é insuficiente: servem como complemento, não como pilar.

Misturar meação com herança confunde a conversa e trava decisões; organize primeiro o regime de bens, depois a sucessão. Apostar apenas em declarações particulares pode ajudar, mas escritura pública ou decisão judicial são o padrão-ouro. Entrar no inventário sem dossiê transforma o processo em ringue e possivelmente gera confusão. E dispensar orientação jurídica, na ilusão de economia, costuma custar anos é sempre mais caro.

Por fim, a pior hora para provar a união é depois que alguém se foi. Reconheça antes, monte seu dossiê com seriedade e saiba, com antecedência, como seus direitos sucessórios se manifestam. Segurança jurídica é um gesto de respeito ao vínculo e ao futuro.

Se você vive uma união estável sem formalização, o passo responsável é sair do terreno da lembrança e pisar no chão sólido do direito: reconhecimento formal, provas consistentes e efeitos sucessórios compreendidos e preservados. Carlo, a melhor maneira é a formalização do matrimônio e isso evita invisibilidade, reduz conflito e dá previsibilidade ao que mais importa quando a vida muda: a paz de quem fica.

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Palavras-chave (secundárias): comunhão parcial; meação e herança; escritura pública; inventário; checklist de provas.